Motim no berçário: pelo fim das grades e libertação
dos bebês
Passarinho, vai-te embora
deste raminho fronteiro,
que em meu rosto cor da noite,
de prantos cai um chuveiro...
Vai cantando a liberdade,
que eu choro meu cativeiro. [...]
(Juvenal
Galeno, Cativeiro)
A
hegemonização das práticas pedagógicas e a incessante necessidade de
“fundamentalizar” (referindo-se ao Ensino Fundamental) a Educação Infantil tem
se tornado um fato inerente à rotina escolar. O que se iniciou com a
reorganização do Ensino Fundamental através da implantação do ensino de 9 anos
(e, consequentemente, a redução de uma etapa da Educação Infantil) através da
Lei Federal nº 11.114 de 16/05/2005, reflete-se negativamente em todas as etapas
da Educação Infantil.
Este
fato se evidencia especialmente com as crianças que frequentam as turmas de Pré
B (5 anos) possuem uma rotina maçante e mecanizada, que se resume em
aprendizado de letras, números e uma alfabetização precoce e superficial, fato
este que não se difere das demais etapas deste nível. A tríade base da Educação
Infantil, proposta pelos RCNEI – educar, cuidar, brincar – é apenas citada nos
documentos escolares que são comumente esquecidos nas gavetas das secretarias e
amarelados pelo tempo e falta de uso.
Esta
situação se agrava quando a conversa entra nas quatro paredes destinadas aos
berçários. O “cuidar”, dissociado da tríade, torna-se assistencialista e “maternalista”,
entrando no âmbito histórico da questão e à sua relação de gênero (mãe, tia,
cuidadora). Aliado a isto, surge a “fundamentalização” dos berçários,
iniciando-se pela organização metódica do espaço físico deste (GOBBATO, 2001,
p. 26).
A imagem do berçário contemporâneo faz alusão às
penitenciárias, em que os bebês (pequenos detentos) passam horas de seu dia nos
berços (celas) dormindo ou procurando algo que vai além do alcance de seus
olhos. As refeições são padronizadas e distribuídas da mesma forma, visando a
agilização do serviço prestado pelas professoras (carcereiras). Em um momento
curto e “recreativo”, as crianças observam, examinam, exploram aquilo que
estiver em seu alcance (tal como no horário “do sol” nas penitenciárias).
Gobbato (2001, p. 116) mostra em sua pesquisa a rigidez
do tempo, que é institucionalizado e convencionado pela escola, para atender às
necessidades dos professores. Se forem as crianças os principais personagens a
serem beneficiados com o tempo, este deveria obedecer à heterogeneidade das
turmas. Especialmente se tratando de bebês, cada curto espaço de tempo
compreende a uma nova experiência, a um novo estímulo e um novo desafio a ser
superado. Guimarães (2011, p. 128) relata que “a organização do tempo e sua
articulação com a distribuição das crianças no espaço, ligadas intimamente com
as necessidades biológicas [...] modelam e dirigem o corpo” em trajetórias
elaboradas pelos adultos a fim de atender suas necessidades.
A fuga é uma utopia a todos aqueles que estão
encarcerados. A autora relata com primazia passagens em que as crianças “fogem”
de suas professoras, a fim de vislumbrarem outros elementos que estão fora de
seu alcance e de sua rotina homogênea (Gobbato, 2001, p. 115). O fato de uma
criança observar atentamente uma poça de água e querer tocá-la, perpassa o
âmbito da rebeldia e invade o terreno da curiosidade de mundo, da necessidade
de descobrir novos elementos e agrega-los a seu cotidiano. Como descrevem Souza
e Weiss (2008, p. 38) “a prática pedagógica com bebês tem características muito
particulares; para lidar com crianças dessa faixa etária é preciso construir vivências significativas, envolvendo
exploração, com todos os sentidos.” (grifo meu).
A rotina é primordial para que se estabeleçam
prioridades, combinados e direções para educadores e estudantes. Mas,
diferentemente de uma rotina estanque e engessada, se esta for trabalhada de
firma significativa a atender as necessidades e emergências dos estudantes, bem
como aproveitando as oportunidades de novas descobertas por parte dos bebês,
este “conteúdo” passará a ser fundamental para o desenvolvimento destes
pequenos estudantes.
O grande desafio para os novos educadores está em
libertar as crianças das grades da rotina escolar, aproveitando cada
oportunidade que o dia-a-dia traz, sendo este um bônus para a carreira docente.
Cada novo bater de asas traz consigo uma nova possibilidade de voar longe e
explorar novos horizontes.
Referências:
BRASIL.
Ministério da Educação e do Desporto. Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília, 1998.
BRASIL.
Lei Federal nº 11.274, de 06/02/06 -
Altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394/96, que estabelece
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispondo sobre a duração de 9
(nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6
(seis) anos de idade.
GUIMARÃES,
Daniela. A relação entre bebês e
adultos: responsividade como ética. In.: ____. Relações entre bebês e adultos: o cuidado como ética. São Paulo:
Cortez, 2011. Cap.3.
GOBBATO,
Carolina. Os bebês estão por todos os
espaços: um estudo sobre a educação de bebês nos diferentes contextos de vida
coletiva de escola infantil. Porto Alegre, 2011. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/29947. Acesso em: 01/07/2012.
SOUZA,
Andressa Celis; WEISS, Vanilda. Aprendendo
a ser professora de bebês: experiência de estágio com crianças de oito meses a
dois anos. In.: OSTETTO, Luciana Esmeralda. Educação Infantil: saberes e fazeres na formação de professores. Campinas:
Papirus, 2008 (p. 33-48).